Eu terminei Blue Prince

Spoilers. (Mas não tantos.)

Blue Prince é um jogo de quebra-cabeça roguelite. E, independentemente de cada leitore entender o que significa cada uma destas categorias, imagino que entender isso por si só seja difícil.

Há pessoas que amam Blue Prince (incluindo eu). Há pessoas que não entendem o ponto, ou que acham o jogo frustrante demais para recompensas de menos.

Acho impossível falar de Blue Prince de forma que seja totalmente sem spoilers, porque é um jogo que incentiva a exploração em diversos âmbitos. O jogo tem uma cutscene inicial e tem certas precauções para facilitar a experiência de quem está recém começando a jogar, mas mesmo aspectos básicos do jogo foram feitos para ser descobertos dentro dele, e não com um tutorial explícito e completo.

Ou seja, favor evitar este texto caso a ideia seja ter uma experiência completamente “pura”. Este texto discutirá estratégias, elementos da história e ambientes existentes no jogo, embora também não seja um catálogo completo ou ofereça um resumo completo da história. Os objetivos aqui são explorar pontos altos e baixos de vários aspectos de Blue Prince e tentar ajudar leitóries a entender se deveriam jogar Blue Prince ou não caso tenham algumas ressalvas.

Avisos de conteúdo

Menções de comida e família, discussão sobre regimes opressivos e desaparecimentos de pessoas próximas.

O ritmo do roguelite

Cada dia dentro do jogo começa com Simon P. Jones, o personagem jogável, no Entrance Hall (“Hall de Entrada”), de onde, após pegar o rolo de blueprints no primeiro dia de jogo, é possível ir para cima, para a esquerda e para a direita, e construir em cada uma destas saídas uma sala diferente. Cada vez que uma porta é aberta, são disponibilizadas três opções entre dezenas de salas únicas, e e jogadore é obrigade a escolher uma.

É possível julgar algumas salas como inerentemente melhores do que outras, mas elas foram feitas para ser balanceadas. Por exemplo:

  • Storeroom (“Sala de Estoque”) não tem nenhuma saída, mas contém uma gema, uma chave e uma moeda garantidas;
  • Nook (“Cantinho”) contém uma chave garantida, e um formato em L que garante uma saída (desde que não esteja bloqueada);
  • Hallway (“Corredor”) não garante item algum, mas tem um formato em T que garante duas saídas (novamente, desde que não estejam bloqueadas).

Da mesma forma que é possível comparar estas três salas comuns e gratuitas com base em itens e saídas, também é possível comparar salas de função similar com base em custo e raridade, pois certas salas requerem gemas para serem construídas e cada sala está em um entre quatro níveis de raridade:

  • Closet é uma sala gratuita sem saída com dois itens;
  • Walk-in Closet (“Closet Entrável”…?) é uma sala sem saída com o custo de uma gema que contém 4 itens (os quais geralmente incluem uma gema) e que é mais incomum que Closet;
  • Attic (“Sótão”) é uma sala sem saída rara que custa três gemas e contém 8 itens (os quais geralmente incluem pelo menos duas gemas).

A casa em si é um espaço com 9 salas de altura e 5 de largura. Entrance Hall fica permanentemente no meio da linha de baixo, enquanto Antechamber (“Antessala”) fica permanentemente no meio da linha de cima e entrar nela é um dos primeiros objetivos sugeridos pelo jogo.

Quando acabam as saídas para fazer mais salas, os recursos necessários para abrir as portas disponíveis ou a energia do Simon (que diminui cada vez que ele passa de um ambiente para outro), o dia acaba, e praticamente todas as mudanças dentro da casa e todos os itens conseguidos são perdides. São estes os elementos roguelike envolvidos: aleatoriedade e impermanência.

Porém, o jogo é um roguelite, por haverem mudanças que deixam os dias seguintes mais fáceis. Por exemplo, há uma categoria de salas chamada Tomorrow Rooms (“Salas de Amanhã”) com efeitos no dia seguinte, como começar com gemas ou passos (energia) a mais. Também existem mudanças permanentes desbloqueáveis, como os Upgrade Disks (“Discos de Melhoria”), disquetes que permitem mudar ou melhorar o funcionamento de determinadas salas permanentemente.

Isto também oferece um nível de personalização, porque, por exemplo, uma pessoa pode escolher a melhoria para Nook que oferece uma chave a mais, enquanto outra pessoa pode preferir a melhoria que adiciona ovos e bacon (+10 passos e chance de achar uma sala chamada Morning Room, ou “Sala da Manhã”). Escolhas diferentes podem beneficiar estratégias diferentes para conseguir certos recursos ou evitar a necessidade deles.

Onde estão os quebra-cabeças?

Ok, montar a casa em si só em direção a um objetivo já é um quebra-cabeça, embora eu tenha visto pessoas que achem este elemento muito aleatório e chato para contar isso. Mas é só isso?

Bem, qualquer pessoa que jogou Blue Prince por algum tempo já deve estar familiarizada com alguns dos quebra-cabeças existentes dentro das salas. Por exemplo, a primeira vez que alguém vai em salas como Observatory (“Observatório”) ou Boiler Room (“Sala da Caldeira”), há a necessidade de mexer em seus componentes para que suas funções possam ser ativadas (sendo que o estado delas permanece o mesmo de um dia para o outro), enquanto Billiard Room (“Sala de Sinuca”) e Parlor têm quebra-cabeças diferentes a ser resolvidos todo dia, os quais vão ficando mais difíceis após mais deles serem resolvidos.

Também existem quebra-cabeças a níveis mais abrangentes, que envolvem, por exemplo, obter respostas (ou dicas para respostas) em salas diferentes ou acesso a itens específicos para obter acesso a certos lugares. O que é interessante nisso é que boa parte do progresso é dependente do conhecimento de cada jogadore: cofres e cadeados podem ser achados e abertos mesmo no primeiro dia de jogo, sem alguém precisar ver a dica de como fazer isso antes do jogo deixar e jogadore acertar, algo que tende a ocorrer em outros jogos.

Isto ajuda tanto quem quer jogar novamente do início quanto quem busca obter os troféus dos modos adicionais, que precisam ser iniciados separadamente em jogos novos após serem desbloqueados. Tais modos adicionais aumentam a dificuldade do quebra-cabeça que é montar a casa, pois um deles oferece desafios específicos como “não use a porta acima da Entrance Hall” ou “não preencha uma linha inteira com salas” enquanto outro consome mais recursos e inicia cada dia com menos energia.

Num geral, o jogo também consegue manter uma boa quantidade de objetivos a serem cumpridos. O primeiro objetivo, já mencionado ao iniciar o jogo, é chegar na Room 46, (“Sala 46”), algo aparentemente impossível numa casa com 45 espaços. A Antechamber é posicionada como uma sala que pode ter relação com a 46, então chegar nesse marcador já disponível no mapa oferece um objetivo mais direto: é só ir montando salas até chegar lá em cima, não?

A primeira lição que o jogo faz com que e jogadore aprenda é a de ter paciência. Ir diretamente para cima provavelmente não vai dar certo: afinal, salas sem saída muitas vezes oferecem mais recursos, fora que não tirar elas do “baralho” mais cedo fará com que elas apareçam mais no meio do caminho.

Ao inspecionar os elementos de salas pelo caminho, e jogadore encontrará pistas para outros mistérios, tanto sobre a história dentro do jogo (o desaparecimento de Marion Marigold) quanto em relação a outros quebra-cabeças (como se conseguem os itens do Freezer, congelador/frigorífico). Isso encoraja a exploração por salas novas, mesmo quando elas não parecem muito benéficas à primeira vista.

A maioria dos quebra-cabeças resultam em mais quebra-cabeças. Por exemplo, ao descobrir como se lê certo material, é possível ver dentro dele uma página que leva e jogadore a realizar determinada ação, a qual resulta em versos que funcionam vagamente como instruções para outra coisa a se fazer, a qual também é extremamente específica, e, ao fazer isso, é possível revelar uma área nova com mais instruções. Isto frustra muitas pessoas, enquanto outras ficam contentes pelo jogo não ter terminado ainda.

O quão difícil é terminar o jogo?

Entendo o impulso de pensar em Blue Prince como um jogo difícil, por vários de seus quebra-cabeças parecerem abstratos e impossíveis à primeira vista. Porém, quem tem estas dificuldades pode mitigá-las com paciência e exploração: quase todos os quebra-cabeças do jogo possuem múltiplas dicas em locais diferentes, para evitar que algo fique impossível de resolver com base em não ver ou interpretar mal uma única pista.

Blue Prince já instrui em uma de suas salas mais comuns o uso de um caderno para anotar coisas que podem ser relevantes. Fazer isso e/ou várias capturas de tela é importante, visto que o jogo não tem forma alguma de guardar folhas de papel já vistas ou qualquer coisa do tipo. Há até algumas salas que possuem conteúdos impermanentes, o que impossibilita alguém de apenas ir até a mesma sala para encontrar a pista desejada (embora nada delas fique perdido para sempre).

O subreddit r/BluePrince é bem efetivo em dar pistas vagas que levam jogadóries à direção certa, e também tem regras bem pesadas para evitar spoilers. Dito isso, pode ser difícil saber o que dá para abrir sem ser um spoiler para alguém que está no meio do jogo.

Finalmente, um possível empecilho é a língua inglesa. Blue Prince contém inúmeros trocadilhos, múltiplos quebra-cabeças envolvendo montar palavras que podem não parecer corretas para alguém cujo conhecimento da língua for básico demais e várias instâncias onde e jogadore tem que descrever imagens de formas específicas com palavras que não são necessariamente as mais óbvias.

Blue Prince também mitiga a dificuldade cultural em certos pontos: há formas de conseguir pistas mais diretas para decifrar certos quebra-cabeças, um lugar que requer a inserção de uma palavra específica que não está escrita aceita tanto a forma britânica quanto a forma estadunidense de soletrá-la e quase todos os lugares que requerem datas aceitam tanto o dia antes do mês quanto o mês antes do dia (os lugares que não aceitam tal troca são os que têm respostas mais explícitas). Além disso, quase todas as palavras incomuns necessárias como senhas ou instruções estão presentes em textos do jogo que podem ser lidos sem ter que resolver os respectivos quebra-cabeças.

Eu acabei me deparando com spoilers para certos mistérios, e inclusive alguns deles foram porque achei que nunca iria conseguir descobrir a resposta por mim mesme. Porém, me arrependo disso: com imaginação e paciência, seria possível achar pistas redundantes ou tentar realizar ações inusitadas. Em um de seus vídeos, Carl sugere que o modo ideal de jogar deve ser entre múltiplas pessoas descobrindo coisas por si mesmas, o que foi mais ou menos o que aconteceu aqui em casa, e pode facilitar para quem tiver um pouco de receio de não entender tudo sozinhe.

Dito isso, o jogo não é ideal para quem quer uma experiência rápida e superficial. Quem não quer ler textos ou anotar pistas pode até chegar à Room 46 (talvez com relativa dificuldade em comparação com quem parou para ler tudo e descobriu segredos que ajudam na construção de salas), e, embora este seja um ponto de saída que possa ser satisfatório para quem estava somente em busca de experimentar o jogo e “terminá-lo” com pressa, fãs do jogo tendem a preferir se adentrar mais em seus quebra-cabeças que aparentam não ter fim.

does it ever end?

Não há um consenso universal acerca de quantos “atos” o jogo possui, ou o que conta como parte de cada “ato”. Isto porque os créditos só aparecem em um ponto do jogo, vários quebra-cabeças podem ser achados/resolvidos em paralelo e nem todas as soluções que abrem áreas novas contém algum tipo de animação especial.

Acho que há dois métodos de contar atos que gostei mais:

  1. 3 atos divididos em cumprir os respectivos objetivos que Herbert, Mary e Auravei deixaram para Simon;
  2. Atos divididos em créditos, resolver o mapa na Room 46, ascender e resolver o que está por trás de certas portas.

De qualquer maneira, as divisões resultam em muito mais coisas para fazer durante os dois primeiros atos, já que há mais quebra-cabeças a serem resolvidos neles, ainda que muitos deles sejam relevantes apenas/também após tais atos.

Uma frustração comum é que geralmente a última coisa que sobra a resolver no jogo é uma que não leva a uma cena animada ou a créditos: não é uma dica para um novo quebra-cabeça, apenas um documento que dá a entender que o objetivo da área era chegar nele. (É possível que uma atualização futura adicione cenas animadas a mais, e imagino que talvez uma delas tenha o objetivo de diminuir a confusão causada por esse final anticlimático.)

Há também os troféus, cuja lista é visível após adquirir o primeiro deles. Eles não necessariamente correspondem aos atos, sendo possível terminar todos eles dentro do ato 2 (independentemente da forma de contá-los), e isso só porque há salas e itens que são programades para não aparecer antes dos créditos.

Estética e construção de mundo

Ume amigue me disse que tinha começado a assistir uma pessoa jogando Blue Prince, mas que tinha perdido interesse por conta da estética. Eu não perguntei por detalhes, mas não culpo ile por isso: o ponto principal é explorar uma mansão mágica sem gente com objetivo de adquiri-la como herança, e a família principal é parte da nobreza.

Além disso, todas as informações sobre alianças políticas, traições e afins funcionam mais como curiosidades que justificam como o jogo funciona do que partes do jogo em si. Não há muitas pistas indicando o que Simon vai fazer com sua herança ou o que ele pensa de tudo isso.

Ainda assim, entender a história do mundo é relevante para resolver quebra-cabeças. Cada país é associado com uma cor, um clima, um meio de transporte e afins, e prestar atenção nisso importa para progredir em certos objetivos. Há até uma língua existente no universo do jogo a qual é relevante para entender certas mensagens.

Embora estes sejam apenas detalhes que não iriam me fazer desistir do jogo, não posso deixar de achar tudo isso muito superficial. Um dos países aparentemente ocupa quase que do norte ao sul do mesmo planeta, e devemos acreditar que ele só possui um único clima? Há um livro indicando que existem sociedades “tribais”, descritas como “primitivas”: que sociedade se descreveria de tal forma? E se a descrição é aplicada por alguém de fora, por que nenhuma das outras descrições de países são questionadas em qualquer momento?

Algo que me incomoda em questão de política: há um governo censurando livros de história e outros pequenos gestos de crítica ou discordância contra o reino, e um grupo rebelde que é contra tal governo. Ok. Mas o objetivo do grupo é ambíguo: nada aponta para ser algo além de restaurar a monarquia anterior, o que não dá garantia alguma de que ninguém na família vai abusar de seu poder tanto quanto o governo atual está.

Eu não esperava que um jogo sobre adquirir a herança de um barão fosse levantar a bandeira do anarquismo ou qualquer coisa do tipo. Porém, Blue Prince é capaz de oferecer dois lados de uma história de forma que critica as ações de personagens ou entidades que são exaltades de outros lados (a história do Denny é provavelmente a mais bem contada do jogo). Só que o que tende a acontecer é a presença de dois lados onde um deles está mais obviamente correto do que o outro (mesmo no caso do Denny, onde não há justificativa oferecida para o que aconteceu com ele, apenas suas suposições), e não há muito que se explora além disso. O governo é ruim, então quem é contra o governo está fazendo a coisa certa e nada se especifica em relação a como ir além do revanchismo.

Talvez este seja o ponto, e cada jogadore é livre para interpretar a história como quiser, com algumas pessoas optando por acreditar que a linha da família real anterior deveria ter seu poder restaurado e ponto, outras acreditando que na verdade a luta é para usar esse poder para deslegitimar o governo atual e depois implementar uma democracia e/ou secessão. Mas com tantas notas que nos ajudam a entender as personalidades e os alinhamentos políticos des empregades que trabalham na casa, da família do Simon e afins, acho meio peculiar a escolha deixar justamente isso em aberto.

Entendo que o jogo passa a mensagem de que nem todos os mistérios devem ser resolvidos, especialmente com a carta onde Herbert também fala do quebra-cabeças que a mãe dele deixou. (Mesmo que, ironicamente, tal quebra-cabeças possa ser resolvido pele jogadore.) Não faço questão de saber como/quando exatamente o avô do Simon morreu, o quanto o pai do Simon sabe sobre o desaparecimento da esposa ou como foi feita a troca de poder entre todas as eras de Orindia. Mas há um ponto onde, para mim, deixar tudo em aberto me dá a impressão da autoria não ter tido vontade de concluir certas partes da história de forma que vai além de uma visão artística ou generosidade com quem quer imaginar conclusões diferentes.

Concluindo

Blue Prince é um dos únicos jogos 3D que tive qualquer curiosidade de jogar, e um dos poucos jogos nos quais investi várias horas. As mecânicas são excelentes, e eu nunca me importei com questões como não poder fazer tudo o que eu queria no mesmo dia por não conseguir alguma sala específica. O jogo conta com várias medidas para facilitar a vida des jogadóries que ainda assim não tornam o jogo fácil demais.

O que mais tenho a criticar é a oportunidade perdida com a história: embora seja louvável o quanto um jogo quase sem diálogo direto é capaz de comunicar a personalidade e o humor de cada ume des envolvides, demonstrar instâncias de abuso de poder e surpreender com reviravoltas, a construção de mundo acaba sendo relativamente superficial para um jogo que tem a intenção de incentivar cada jogadore a lembrar e decifrar o que está acontecendo. Ainda mais quando um dos temas é encontrar a verdade entre as mentiras.