Terminologia NHINCQ+ III: Além dos bordões

(O título é uma referência a ser uma matéria de faculdade avançada. Isto não é uma série com textos anteriores.)

Slogans são uma maneira fácil de repassar mensagens de forma curta e direta. Eles são usados em diversos contextos, desde corporativos até políticos, e é comum que sejam usados para convencer ou intrigar pessoas a respeito de certo assunto. Por isso, faz sentido que comunidades NHINCQ+ utilizem certas frases para destacar injustiças ou tratamentos apropriados.

No entanto, a simplicidade de tais frases faz com que certas ideias sejam levadas a extremos danosos. Questões NHINCQ+ são cheias de nuance, por conta de como diferentes identidades se manifestam e/ou interagem entre si, então a redução de informações que deveriam estar acompanhadas de exceções e poréns a algumas palavras mais fáceis de serem espalhadas acaba gerando problemas.

Isso não significa que frases simples sejam sempre erradas e nocivas. Elas podem ser ou terem sido importantes em contextos apropriados. O problema maior é usar elas como verdades absolutas, ao invés de simplificações que são apenas pontos de partida para seus assuntos. A questão é que mesmo que seja importante poder espalhar mensagens de inclusão e justiça, também é importante entender os motivos pelos quais certas pessoas podem ver tais frases como sinais de ignorância, exclusão ou ódio.

Amor é amor

Esta frase é usada com a intenção de igualar relacionamentos aceitos pela sociedade (em geral, relacionamentos românticos e sexuais entre um homem e uma mulher onde ambas as pessoas são conformistas de gênero, perissexo e cisgênero) a relacionamentos que são vistos como menos verdadeiros, puros, desejáveis ou possíveis.

Na maior parte das vezes, isso tem a ver com dizer que relacionamentos sexuais e/ou românticos entre dois homens ou duas mulheres são igualmente existentes, verdadeiros e/ou possíveis. Porém, também é possível usar a frase para defender relacionamentos que não são românticos + sexuais, defender relacionamentos que envolvem pessoas trans, não-binárias e/ou intersexo, defender relacionamentos românticos e/ou sexuais que envolvem mais de dois componentes e afins.

O problema é que a palavra amor, ainda que não seja sempre equivalente a amor romântico, possui tal conotação pesada para pessoas arromânticas, que são vistas como “menos” por não conseguirem se apaixonar (ou, se conseguirem, não com a mesma frequência e/ou não da mesma forma que pessoas alorromânticas). Se está tudo bem apoiar todas as formas de amor porque são iguais, isso prejudica pessoas que não podem ou querem centralizar relacionamentos românticos em suas vidas.

A expressão também é insuficiente para falar da comunidade NHINCQ+ inteira, ainda que muites tratem como se fosse. E, assim, questões trans, intersexo, arromânticas e afins são ignoradas ou colocadas em segundo plano, em nome de centralizar amor não-duárico.

No entanto, a frase é vista como bonita e impactante, o que também ajuda a colocar outras injustiças enfrentadas por pessoas da comunidade debaixo do tapete. É muito mais fácil uma empresa dizer que todas as formas de amor devem ser respeitadas do que dizer que presumir gênero e linguagem pessoal de pessoas desconhecidas é uma atitude nociva que deveria ser combatida, por exemplo.

Não são pronomes preferidos, são só pronomes

Quando pessoas trans começaram a exigir que seus conjuntos de linguagem pessoais fossem utilizados, surgiu o termo “pronome preferido”, para indicar que certas pessoas não teriam preferências óbvias de conjuntos de linguagem.

[A questão de muita gente ainda tratar pronome(s) como sinônimo de conjunto de linguagem é uma questão separada que não vou desenvolver aqui. Recomendo este texto e este para saber mais.]

Eventualmente, porém, pessoas começaram a perceber que isso faz com que pessoas trans (ou NCL) tivessem seus conjuntos de linguagem tratados como preferidos, mas não necessariamente obrigatórios como deveriam ser. Pessoas cis que usam conjuntos atribuídos aos seus gêneros geralmente possuem seus conjuntos respeitados, mas outras deveriam lutar para que suas preferências fossem respeitadas.

Por conta disso, houve e há algo como uma campanha contra o uso do termo preferência e de termos derivados quando se trata de linguagem pessoal. E é daí que vem a frase.

Como alguém que tem seus conjuntos vistos como preferências que não precisam ser respeitadas o tempo todo, entendo completamente o surgimento dessa retórica. Porém, às vezes isso é levado longe demais, de forma que dificulta a expressão de preferência entre conjuntos. Por exemplo:

  • Uma pessoa pode sinceramente não se sentir maldenominada com qualquer conjunto, mas ainda assim preferir algum conjunto específico, como ê/elu/e;
  • Uma pessoa pode se sentir confortável tanto com le/ile/e quanto com i/il/i, mas gostar mais de quando usam i/il/i para se referir a ela;
  • Uma pessoa pode usar -/[qualquer neopronome]/e, mas ter preferência por neopronomes que contenham a letra A, como al, ale e ila.

É difícil discutir sobre ou expressar tais nuances quando qualquer menção a preferir um conjunto (ou elemento de conjunto, como pronome) é vista como incentivo à maldenominação de pessoas trans/NCL, por meio de supostamente dizer que “conjuntos são preferidos e não obrigatórios” quando certas pessoas realmente só querem expressar suas preferências.

É só gênero, não identidade de gênero

E aqui vem uma frase com um problema similar, mas com repercussões diferentes.

Assim como “pronomes preferidos”, “se identificar como certo gênero” é uma expressão usada para explicar situações de pessoas cisdissidentes que eventualmente começou a ser explorada para implicitar que as identidades de gênero de pessoas cisdissidentes são menos reais do que as de pessoas cisgênero. Afinal, o termo identidade de gênero é mencionado com frequência para explicar a existência de pessoas trans, enquanto pessoas cis nas mesmas publicações são tratadas como se só tivessem certo gênero sem que explicações tenham que ser elaboradas.

Novamente, consigo entender como é frustrante que uma mulher cis é explicada como “é uma mulher” enquanto uma mulher trans é explicada como “é alguém que se identifica como uma mulher” e uma pessoa não-binária é explicada como “é alguém que não se identifica com nenhum dos dois gêneros” (como se não houvessem gêneros na não-binaridade, ou como se eles não fossem tão reais ou importantes como gêneros binários). Pior ainda quando usam terminologia como “nasceu mulher” ou “nasceu homem”, como se tais gêneros fossem embutidos ao invés de terem sido designados externamente.

Enfim, a questão é que identidade de gênero e gênero, embora sejam termos equivalentes em várias situações, não são sempre a mesma coisa.

Trigênero é uma identidade de gênero composta por três gêneros. Pomogênero é uma identidade de gênero para quem não quer ou pode determinar seu(s) gênero(s). Gênero-vácuo é uma identidade de gênero que descreve alguém que tem vácuo no lugar de gênero (e, por isso, o termo é muitas vezes utilizado por pessoas completamente sem gênero). Homem, mulher, ilyagênero, maverique, nímise, gênero-fofo, juxera e proxvir são gêneros, e cada um pode ser a composição completa da identidade de gênero de alguém, mas muitas pessoas possuem rótulos e experiências relacionadas ao conceito de gênero que não são adequadamente descritas como gêneros.

Por isso, favor não tratar o termo identidade de gênero como se fosse menos real/sério do que o termo gênero. Várias experiências não-binárias não são gêneros; não no sentido de não serem experiências reais, mas sim de não serem experiências que podem ser adequadamente categorizadas como ter um gênero, por mais que os termos que as descrevam sejam as respostas corretas quando alguém pergunta algo como “qual é seu gênero” em um formulário.

A pessoa não se identifica, a pessoa é

De forma similar à insistência de igualar identidade de gênero com gênero, há uma perda de nuance que exclui certas pessoas ao insistir em tratar identificação como/com como uma forma de diminuir ou invalidar a identidade alheia.

Isso vai desde a ideia de que não se deve chamar termos como trans, intersexo ou gay de identidades até a ideia de que qualquer descrição de termo que usa alguma variação de palavras como identificar ou identidade está invalidando o termo sendo descrito.

A questão é: o termo identidade vale para qualquer coisa que identifica alguém. Não significa que são características mutáveis ou imutáveis, não significa que são características significativas ou apenas curiosidades e não é o que determina se uma pessoa faz parte de um grupo marginalizado ou não. Estilo de roupa, time de futebol, modalidade de gênero, cor dos olhos, idade e nacionalidade podem ser todas coisas que fazem parte da identidade de alguém, e isso não significa que elas não possuem impactos diferentes na vida das pessoas.

Novamente, faz sentido querer evitar que publicações usem “ela se identifica como bissexual” ao mesmo tempo que usam “ele é hétero” para falar de outra pessoa. Ou querer que pessoas deixem de usar definições como “pessoas trans se identificam fora do gênero designado” ao invés de “pessoas trans possuem uma identidade de gênero diferente da designada”. Porém, faz sentido usar frases que usem a palavra identidade em certas circunstâncias. Por exemplo:

  • Algumas pessoas querem falar de suas identificações passadas; faz mais sentido dizer “eu me identifiquei como pansexual por 5 anos até descobrir que não era” do que “eu fui pansexual por 5 anos”, caso a pessoa acredite que estivesse enganada sobre se encaixar no termo;
  • É importante poder falar sobre se identificar em volta de algum conceito sem se encaixar no termo por si só; alguém pode querer justificar sua identidade de mulher não-binárie como uma identificação com mulheridade de forma que não pode ser reduzida a ser mulher ou ter mulheridade, por exemplo;
  • Algumas pessoas podem querer falar sobre se identificarem com um termo acima de outros que também se encaixam, como alguém que diz que se identifica como poli sem se identificar como bi ainda que tecnicamente ambos os termos estejam corretos para descrever suas experiências.

Ainda recomendo usar linguagem como “a pessoa é” ao invés de “a pessoa se identifica como”, na maior parte dos casos. Novamente, o problema é o ódio que já vi direcionado a pessoas tentando descrever experiências usando palavras como identidade, identificar ou identificação, mesmo que muitas vezes este realmente seja o vocabulário mais apropriado.

Gênero é falso e cada pessoa pode escolher o que quiser

O conceito de gênero é uma construção social, e pessoas devem ter a opção de ignorá-lo caso não queiram participar dele. Eu realmente não me importo se pessoas que supostamente seriam cis estão decidindo que gênero não tem ou não deveria ter significado nenhum para elas, e passando a usar conjuntos de linguagem diferentes, roupas diferentes e termos para identidades de gênero que indicam que não possuem gênero, rejeitam gênero e/ou não se importam com gênero.

Acredito que se alguém se sente mais confortável com cisdissidência, esta pessoa deve ser considerada cisdissidente, por mais que a rejeição à sua identidade cis pareça apenas escolha pessoal ou característica superficial. Se uma pessoa rejeita gênero porque quer, ela vai ser tratada da mesma forma pela sociedade do que alguém que rejeita gênero porque há algum tipo de chamado interno intrínseco indicando uma repulsa a gênero.

Da mesma forma, consigo entender que várias pessoas cisdissidentes gostam de usar certos termos mais para incomodar gente cissexista ou para outro tipo de diversão do que para indicar como suas identidades de gênero realmente funcionam. Também penso que muitas vezes isso faz com que essas pessoas estejam incorporando tais termos como suas realidades ainda que não sejam identidades tão importantes para elas.

Uma analogia: é possível espremer laranjas para tirar seu suco. Também é possível ter água e adicionar suco de laranja em pó para obter um suco de laranja.

Tais sucos não vão ser idênticos. E, a partir da água, é possível beber só a água, ou fazer uma série de outras bebidas. Porém, com laranjas, o único líquido que dá pra fazer é suco de laranja, ou outras bebidas a partir de tal suco.

A questão é, algumas pessoas não conseguem não ter a experiência de gênero que dizem ter, por mais que possam dar nomes diferentes a tal experiência ou escondê-la totalmente. Enquanto isso, há também pessoas que possuem um grau maior de escolha em relação à identidade de gênero que dizem ter. Nenhum desses grupos merece ter sua identidade atacada pelo outro grupo; não há bons motivos para dividir comunidades em nome da pureza ou da rebeldia quando precisamos de todes es aliades possíveis.

Mesmo em um mundo onde identidade de gênero não seja considerada importante ou necessária, não há a necessidade de invalidar as experiências alheias. Tais atitudes possuem ainda menos justificativas quando vivemos em uma sociedade cissexista.

Pessoas não-binárias são trans

Quando o termo transgênero foi cunhado, a ideia era que fosse um termo guarda-chuva para incluir qualquer pessoa cisdissidente e/ou inconformista de gênero: uma pessoa intersexo ou uma drag queen seriam tão transgênero quanto pessoas binárias que possuem gêneros diferentes dos designados.

Com o tempo, o termo foi virando menos inclusivo, de forma que ele é raramente definido de forma que inclui questões além da identidade de gênero ser diferente da designada. E, além disso, comunidades transmedicalistas (que acreditam que há necessidade de disforia física e vontade de passar por transição corporal para considerar alguém verdadeiramente trans) estão sempre tentando deixar o termo transgênero como o mais exclusivo possível, por meio da invalidação de quaisquer pessoas ou identidades cisdissidentes que “parecem ridículas” sob seus critérios arbitrários.

Isso acabou fazendo com que várias pessoas não-binárias duvidassem de seu direito à utilização do termo transgênero, enquanto outras simplesmente o abandonaram. Porém, também houve uma onda de afirmação de que pessoas não-binárias são trans, com o objetivo de incluir essas pessoas e de criar/manter solidariedade entre pessoas não-binárias e pessoas trans binárias.

Mesmo assim, ainda existem pessoas que se dizem não-binárias, mas não trans. Além de pessoas inseguras, desinformadas ou que querem evitar ataques, temos:

  • Pessoas sem gênero que veem transgênero como um termo definido principalmente por gênero, e portanto inadequado para suas situações;
  • Pessoas intersexo e não-binárias cujos gêneros designados já estão fora do binário, e que não possuem acesso ao privilégio cis mas que também não se encaixam bem na maioria das definições de transgênero;
  • Pessoas que fazem parte de culturas onde gênero não é binário e/ou fixo que estão confortáveis em se dizerem não-binárias para facilitar a comunicação, mas que não se veem como pessoas com experiências trans;
  • Pessoas não-binárias que são parcialmente do próprio gênero designado que estão acostumadas a definições de trans como “pessoa de gênero diferente do designado” que só conseguem ver isso de forma literal, e que portanto não se sentem confortáveis em se considerar trans;
  • Entre várias outras situações similares.

Portanto, embora seja importante lutar pelo direito de pessoas não-binárias poderem se considerar trans, também é importante respeitar que nem toda pessoa não-binária quer se dizer trans.

Para aprender sobre que modalidades de gênero existem além de trans e cis, sugiro passar nesta página.

Pessoas genderqueer são não-binárias (ou, alternativamente, pessoas genderqueer são pessoas não-binárias cujo gênero só pode ser descrito como queer)

Genderqueer é, assim como transgênero, um termo relativamente antigo que foi sendo simplificado e reduzido em muitas descrições com o passar do tempo (ver: [1], [2]).

Em registros mais antigos, qualquer pessoa desobedecendo normas de gênero poderia se dizer genderqueer. Algumas vezes, isso é interpretado como algo que inclui pessoas inconformistas de gênero e pessoas não-binárias. Outras vezes, pessoas trans em geral são inclusas. Em outras, apenas pessoas não-binárias e pessoas trans inconformistas de gênero. E por assim vai.

Mais recentemente, já vi relatos tentando colocar genderqueer como uma identidade não-binária específica relacionada a ser queer/desobedecer normas de gênero.

A questão é, como é um termo abrangente que acabou sendo relativamente defasado com o crescimento da popularidade de termos como não-binárie e trans (assim como o termo gender variant, variante de gênero, que também era mais usado anteriormente para se referir a pessoas que saem de normas de gênero), cada vez menos pessoas estão centralizando o termo genderqueer como identidade. Não existem variedades enormes de comunidades genderqueer que dão uma ideia melhor de como o termo é definido da mesma forma que podemos dizer que o termo transgênero mudou de definição com o passar do tempo.

Por isso, acho que faz sentido ainda considerar genderqueer como um termo abrangente. Quem usa pode ser cis e inconformista de gênero, ou trans binárie e inconformista de gênero, ou alguém questionando a própria identidade de gênero, ou pessoa fora do binário de gênero que não gosta do termo não-binárie, ou pessoa não-binária que quer descrever seu gênero como queer… e por aí vai.

(Texto recomendado para maiores explicações: The Non-Binary vs. Genderqueer Quandary)

Todo mundo que sente atração é mono-orientade ou multiorientade

Muitas vezes, em discussões envolvendo o conceito de monossexismo, presume-se que todas as pessoas são sempre atraídas apenas por um gênero ou sempre atraídas por mais de um gênero completamente distinto.

Há uma série de questões a se pensar aí, como:

  • E pessoas que não sentem atração por ninguém?
  • E pessoas cuja atração é vaga ou rara demais para saberem se sentem atração por mais de um gênero ou não?
  • E pessoas cuja atração é fluida, que talvez até mesmo sintam atração por um gênero 90% das vezes mas atração por mais de um gênero de vez em quando?
  • E pessoas que sentem atração mais por um gênero do que por outros?
  • E pessoas que sentem atração por um grupo de gêneros que poderiam ser ditos parecidos, como mulheres, mulheres NB e pessoas poligênero que possuem mulher como um de seus gêneros?
  • E pessoas que só sentem atração por um grupo de gêneros não-binários, como pessoas completamente fora do binário, ou pessoas xenogênero, já que ainda que sejam pessoas múlti atraídas por gêneros diversos, tais grupos muitas vezes são interpretados como “tudo a mesma coisa” por grande parte da sociedade?
  • E pessoas atraídas só por pessoas sem gênero, ou só por pessoas sem gênero e por um gênero específico?
  • E pessoas variorientadas que sentem atração sexual por um certo gênero e atração romântica apenas por outro gênero?

Tudo isso precisa ser pensado quando alguém quer afirmar “pessoas que usam tal termo são mono-orientadas” ou “só pessoas múlti sofrem monossexismo”, por exemplo.

Mas o que quero falar aqui é do quanto não dá pra categorizar muitas orientações entre “orientação mono” ou “orientação múlti”, que é algo que vejo acontecendo.

Existem orientações que podem ser utilizadas tanto por pessoas que sentem atração só por um gênero quanto por pessoas que sentem atração por mais de um gênero. Praticamente qualquer orientação que inclui atração somente por pessoas não-binárias, ou que entram em certa categoria de gênero (como gêneros neutros, xenogêneros ou aporagêneros) podem ser tanto usadas por pessoas que só sentem atração por certa identidade de gênero específica quanto por pessoas que sentem atração por várias configurações de identidades de gênero que ainda se encaixam na definição do termo.

Também existem pessoas que não se veem como múlti, ou que veem suas questões como não necessariamente cobertas por identidades múlti, por conta de como sua fluidez de atração funciona.

Enfim, a liminaridade entre identidades mono e identidades múlti é algo que deveria ser pensado melhor antes de publicar certas afirmações ou categorizações.

Identidade de gênero e orientação são conceitos diferentes/separados

Por conta de como muita gente vê ser hétero como característica intrínseca a ser homem ou mulher “de verdade”, é comum que uma das primeiras coisas a serem marteladas quando se fala de questões NHINCQ+ é que identidade de gênero e orientação são coisas separadas.

Em geral, isso é verdade, especialmente para pessoas binárias, que são maioria em tais discussões. Uma pessoa não é menos homem ou mulher por ser gay, bi, pan, lésbica, assexual ou afins, sendo ela cis, ipso, trans ou de qualquer outra modalidade de gênero.

E ei, isso também é verdade para grande parte das pessoas não-binárias! Pessoas agênero podem sentir atração só por um gênero - ou seja, não são necessariamente pessoas sem atração alguma ou que não veem diferença entre gêneros - femaches não necessariamente sentem que são homens e mulheres por conta de atração por ambos estes gêneros, e por assim vai.

Só que, novamente, dizer que essas coisas precisam ser separadas acaba prejudicando pessoas que querem discutir ou se afirmar como pessoas cuja identidade de gênero e orientação são ligadas.

Existem pessoas que dizem se ver como sem gênero ou como alheias ao binário de gênero por conta de não sentirem atração alguma, ou por não sentirem atração diferenciada com base na identidade de gênero alheia. Existem pessoas gênero-orientação que, usando tal termo ou não, veem seus gêneros como ligados a serem lésbicas, homens gays, a-espectrais, múlti ou afins, por conta de como a sociedade vê tais identidades.

Existem pessoas que fazem transição física e que sentem que sua orientação mudou desde antes de tal processo. Existem pessoas gênero-fluido cujas identidades de gênero e orientações fluem ao mesmo tempo.

Pessoas cometem erros, mas mesmo que isso aconteça, há um número grande demais de pessoas com essas experiências para dizer que estão todas enganadas por conta de estereótipos sociais. Apenas cada pessoa pode avaliar as próprias experiências com orientação e identidade de gênero, e não dá pra invalidar tais experiências por elas parecerem complicadas demais para quem quer que só existam identidades NHINCQ+ puras e intocadas por outros aspectos.

Orientação sexual e romântica são conceitos completamente diferentes/separados

Este é um tópico similar ao tópico acima. Assim como algumas pessoas não têm como separar suas experiências de identidade de gênero e de orientação, outras não conseguem separar seus tipos de atração.

Algumas pessoas vão ter uma atração sexual e romântica que flui ao mesmo tempo, tanto para experiências iguais quanto para diferentes. Outras pessoas não conseguem diferenciar entre atrações.

Para muitas pessoas, a separação entre a orientação sexual e a orientação romântica é fundamental. Há pessoas que consideram as duas coisas completamente diferentes, e que conseguem entender muito melhor o que sentem por conta da separação, sendo pessoas variorientadas ou não.

Porém, algumas vezes há uma pressão que, por mais que venha de um desejo legítimo de combater periorientismo, acaba prejudicando indivíduos que não veem essa separação como relevante ou existente para si.

Isso inclui:

  • Invalidar rótulos que são explicitamente para pessoas cuja (ausência de) atração sexual e romântica são interconectadas;
  • Exigir que todas as pessoas revelem sua orientação romântica como independente da orientação sexual;
  • Reclamar sobre pessoas aparentemente periorientadas com rótulos que parecem contraditórios, exigindo que separem nitidamente o que é orientação sexual e o que é romântica caso sintam que o agrupamento de rótulos é contraditório (ex.: assexual pansexual, gay bi).



São essas as coisas que tenho pra trazer hoje. Porém, acho bom sempre questionar “frases feitas” que são usadas para simplificar experiências. Novamente, isso não é por serem ruins ou inúteis, e sim porque não se deve exaltá-las como regras acima de pessoas que relatam que suas experiências as contradizem.