Tudo, ou pelo menos muita coisa, sobre linguagem pessoal

Um texto para resolver dúvidas de quem ainda não entende porque este conceito é fundamental para respeitar pessoas fora da norma

Edição (17/11/2023): Uma versão para imprimir deste texto (7 folhas frente e verso em formato de livreto, 28 páginas ao todo) pode ser encontrada aqui. Ao adaptar o texto, percebi alguns erros e pontos fracos que acabei mudando nesta versão do texto também. Isso não significa que as duas versões são idênticas, mas a ideia é que sejam relativamente parecidas.



Este texto tem a intenção de trazer a pauta de conjuntos de linguagem (focando em conjuntos de linguagem pessoal) para pessoas que podem não ter tido muito contato com o assunto antes. Porém, ele ainda presume conhecimento sobre as seguintes coisas, que talvez algumas pessoas que passem por este texto ainda não tenham tido contato:
  1. Os termos cis, não-cis, cisdissidente e trans aparecem neste texto. Para entender com detalhes o que os termos cis e trans significam, procure-os neste glossário. Os termos não-cis e cisdissidente são sinônimos, e se referem a qualquer pessoa que não seja cis (o que inclui pessoas trans).

  2. Normas de gênero são as normas esperadas pela sociedade que são cobradas de quem pertence a cada gênero (ou que também podem ser cobradas de pessoas vistas como pertencentes a certo gênero mesmo que não sejam). No caso de sociedades eurocêntricas, geralmente se espera que mulheres sejam delicadas, sensíveis, vaidosas e boas donas de casa, e que homens escondam a maioria de seus sentimentos, gostem de esportes e sejam agressivos. Estes são exemplos de normas de gênero, mas elas também envolvem roupas, brinquedos, empregos e outras coisas que supostamente são “apropriadas para cada gênero”. Pessoas que quebram várias destas normas podem se chamar de não-conformistas de gênero.

  3. Identidade de gênero é algo pessoal, que não vai ter necessariamente nenhuma relação com corporalidade/sexo, normas de gênero, influências externas, aparência ou formas de agir ou de se vestir. Identidade de gênero não é algo exclusivo de pessoas não-cis: homem e mulher são identidades de gênero (enquanto cis e trans são modalidades de gênero). Caso queira ler mais sobre o que é gênero, clique aqui.

  4. Muitas pessoas não são (somente/completamente/sempre) mulheres ou homens. Mencionarei pessoas não-binárias como um grupo que cobre essas experiências, e uma página que explica com mais detalhes como alguém pode experienciar isso pode ser encontrada aqui. Nem todas as pessoas que se encaixam nessa descrição se descrevem como não-binárias, o que pode ter a ver com diversos motivos. De qualquer modo, a discriminação experienciada por pessoas que não podem ser descritas precisamente somente como mulheres ou como homens é chamada de exorsexismo.

  5. Respeitar as identidades de gênero de todas as pessoas é importante. Identidades de gênero fazem parte da cultura de cada lugar e da identidade pessoal, e negar a identidade de gênero de alguém (por conta da pessoa não cumprir as normas de gênero associadas com seu gênero, não ter uma aparência cisnormativa, ter uma identidade de gênero incomum ou difícil de explicar, “ser nova/velha demais pra isso” ou qualquer outro motivo) pode ser causar danos sérios à saúde mental de alguém, especialmente quando isso acontece com frequência.

  6. Trolls, na maioria dos contextos de discussões na internet, são pessoas que insistem em incomodar outras pessoas de forma persistente, geralmente na internet. As ações de trolls podem ser descritas como trollagem. Uma trollagem comum em meios ativistas envolve tentar enganar pessoas “de fora” sobre o que grupos marginalizados são ou querem (espalhando suposições de má fé ou fingindo ser uma caricatura ridícula de alguém do grupo).

  7. A maioria das outras coisas citadas que podem não ser de conhecimento geral possuem explicações logo após sua primeira menção, ou links para textos que explicam ao que tais coisas se referem.



Linguagem pessoal é algo que quase todo mundo que consegue se comunicar em alguma língua com "gêneros gramaticais" tem.

Sim, mesmo pessoas que nunca pensaram sobre o assunto e que são completamente alheias a comunidades NHINCQ+ (Não-Hétero, Intersexo, Não-Cis, Queer, etc). Sim, mesmo pessoas que dizem que é pra evitar quaisquer sinais desses gêneros gramaticais para falar delas. Sim, mesmo pessoas que não possuem nenhuma preferência em relação à linguagem.

As únicas pessoas que considero que não possuem alguma linguagem pessoal são as que ainda não têm certeza de que linguagem querem usar.

E, por isso, é importante ter noção de como usar e respeitar qualquer tipo de conjunto de linguagem.

Enfim, vou tentar explicar passo a passo o que são conjuntos de linguagem para pessoas que não estão familiarizadas com o assunto.

“O que é um conjunto de linguagem?”

Em lugares onde a língua portuguesa é a padrão, é comum ensinarem crianças que existem jeitos diferentes de se referir às pessoas: a forma “masculina” quando a pessoa “é homem”, e a forma “feminina” quando a pessoa “é mulher”. (Vou explicar as aspas depois.)

A forma “masculina” seria composta de palavras como o, ele, moço, este, ator, professor, guri, pai, filho, namorado e bom.

A forma “feminina” seria composta de palavras como a, ela, moça, esta, atriz, professora, guria, mãe, filha, namorada e boa.

Deste modo, poderíamos dizer que existe um conjunto de linguagem “masculino” e outro “feminino”, que uniriam estas palavras citadas. No caso destes conjuntos especificamente, eles são chamados de gêneros gramaticais também, os quais são literalmente descritos na gramática formal como masculino e feminino.

Mas esta questão não termina aí, e também não acho que gênero gramatical descreva bem todos os conjuntos de linguagem existentes.

Mesmo que exista esta associação de certas palavras com certos gêneros ou estereótipos relacionados a gênero, não existem razões universais para que certas palavras precisem ser usadas apenas para pessoas masculinas, homens, pessoas femininas e/ou mulheres.

Saias ou cabelos compridos não precisam ser necessariamente “coisas femininas”, ternos ou cabelos curtos não precisam ser necessariamente “coisas masculinas”. Estas são só decisões que foram feitas em certos lugares e períodos que nem estão presentes em todas as culturas e/ou épocas.

Também por conta disso, é importante ter formas de descrever tais conjuntos de linguagem de formas que não usem feminilidade ou masculinidade como ponto de partida. Temos nomes específicos para roupas, partes do corpo e cores de forma que não tenhamos que usar vocabulário vago e arbitrário como feminine ou masculine para nos referirmos a elas, então faz sentido ter formas de descrever linguagem de forma que não dependa destas palavras.

Existe mais de um jeito de pessoas se referirem a tais conjuntos, como a/ela/a e o/ele/o, ela/dela e ele/dele, ela/a e ele/o e a/uma/da/ela/dela/minha/essa/a e o/um/do/ele/dele/meu/esse/o.

Quando uma pessoa quer ser referida com um certo conjunto de linguagem, dizemos que tal pessoa usa tal conjunto, ou que certo conjunto de linguagem é o conjunto daquela pessoa. Por exemplo:

  • Eu sou o Marco. Eu uso o/ele/o.

  • Aquele é o Marco. O conjunto de linguagem dele é o/ele/o.

Eu vou explicar mais sobre o que exatamente significa a/ela/a, o/ele/o e afins depois. O que importa agora é que, independentemente dos modelos usados, conjuntos de linguagem vão muito além destes dois.

“Mas pra quê ter conjuntos de linguagem além dos previstos pela língua padrão?”

A existência de um binário estrito de conjuntos de linguagem baseado em gênero causa diversos problemas:

  • Quando não se sabe qual o gênero de uma pessoa ou de um animal, que conjunto de linguagem devemos usar?

  • Quando existem grupos formados por seres de gêneros diferentes, como devemos nos referir ao grupo?

  • Quando alguém não é nem homem e nem mulher, como nos devemos nos referir a tal alguém?


Acho importante notar que todos estes problemas são relacionados com seres vivos. Poucas pessoas se importam com o uso de a/ela/a para cadeiras e geladeiras e de o/ele/o para sofás e ventiladores, e se alguém tentar te convencer de que aceitar mais linguagens também tem a ver com usar conjuntos de linguagem diferentes para objetos ou até mesmo para nomes de espécies, é bem provável que tal pessoa esteja trollando.


As soluções propostas que envolvem a língua padrão são frequentemente egoístas (como “quem não se encaixa nessas linguagens não importa”), pouco práticas (como “é só descrever essas pessoas e esses grupos de forma indireta o tempo todo”), machistas (como “o/ele/o já é um conjunto neutro”) ou exorsexistas (como “não existe essa coisa de não ser homem nem mulher”).

Por conta disso, surgiram formas de um conceito atualmente chamado de neolinguagem, o qual engloba quaisquer palavras alternativas que não são previstas pelos gêneros gramaticais padrão.

Algumas pessoas começaram a usar arroba para substituir a ou o em palavras como el@ ou tod@s nas últimas décadas, mas como era apenas uma substituição para os dois conjuntos padrão, esta solução foi considerada pouco inclusiva. Com o tempo, surgiu a ideia de usar a letra X para fazer a mesma coisa, mas a maioria das pessoas não entendia que a letra não era pra ser pronunciada, e programas que leem telas para quem não as enxerga (parcialmente ou totalmente) sempre pronunciava a letra X nos finais das palavras como “cs”.

Depois disso, foram sugeridas tanto propostas para “neutralizar a língua” de forma pronunciável quanto propostas de diversidade de conjuntos de linguagem, para que cada pessoa possa escolher o que fica mais confortável para si. Todas as possibilidades que não se encaixam nos gêneros gramaticais previstos pela língua padrão são consideradas parte da neolinguagem.

Este texto é especificamente sobre linguagem pessoal (a linguagem que cada pessoa usa), e não sobre linguagem genérica/neutra (uma linguagem ideal para usar quando a linguagem de alguém ou de algum grupo é indeterminada). Eu listei estas questões sobre linguagem neutra por serem relevantes, mas se você quiser saber mais sobre como deixar de usar o/ele/o como linguagem neutra, textos relevantes estão disponíveis aqui.

A maioria das pessoas que usa neolinguagem como parte de seu conjunto de linguagem pessoal são não-binárias. Mesmo assim, pessoas binárias (que são sempre, estritamente e completamente homens ou mulheres) também podem querer usar conjuntos de linguagem pessoal fora dos padrões, algo que quanto acontece é geralmente feito por pessoas não-conformistas de gênero como parte de suas expressões pessoais.

“Não é só decidir um gênero gramatical/conjunto de linguagem neutro e usar ele?”

  • A ideia de que dois gêneros específicos permaneçam tendo conjuntos de linguagem específicos associados a si, enquanto pessoas de todas as outras centenas de identidades possíveis tenham apenas um conjunto associado a elas, é dar a ideia de que gêneros/arquétipos binários são simplesmente mais importantes e merecedores de atenção.

  • Se tal conjunto neutro ainda por cima for também associado com não saber o gênero de alguém, isso dá a entender que qualquer pessoa que não seja binária ou que rejeite linguagens associadas a gêneros binários esteja num limbo de indeterminação de gênero. Isso pode ser algo apreciado por algumas pessoas, mas a ideia de que pessoas não-binárias só estão indecisas sobre seu gênero é um preconceito vil que não deveria ser reforçado.

  • Muitas pessoas podem não querer ter um conjunto de linguagem que passa uma impressão de neutralidade ou de indeterminação de gênero, e sim algo que passe a impressão de masculinidade não-binária, feminilidade não-binária, xeninidade, maveriquinidade ou outras características.

  • Não existe nenhuma proposta de conjunto de linguagem neutro que tenha o apoio de todas as pessoas dentro ou fora de comunidades que propõem um conjunto neutro universal. Não faz sentido alguém se sujeitar a ser referide por um conjunto de linguagem do qual não gosta muito quando isso não aumenta as chances de outras pessoas usarem tal conjunto de linguagem.

Mais detalhes acerca de descrever conjuntos

Agora que expliquei que 1) neolinguagem já existe, já está em uso, e não faz sentido fingir que não é necessária e que 2) conjuntos de linguagem são diversos, acho importante explicar como estes vão ser descritos.

Neste texto, e em outros textos, o esquema que uso é artigo/pronome/final de palavra (este pode ser chamado de terminação ou de flexão também).

O artigo (nome técnico: artigo definido da forma singular) é o que se usa na frente do nome da pessoa, ou de algo que substitui o nome da pessoa mas que usa seu artigo.

Ao escrever “o João”, “a advogada”, “ê artista” e “le professore”, as palavras o, a, ê e le estão cumprindo a função de artigo. A e o são artigos previstos pela língua, mas ê e le são neoartigos.

O pronome (nome técnico: pronome pessoal reto da terceira pessoa do singular) é o que se usa para substituir o nome da pessoa e fazer certas contrações.

Ao escrever “ela é forte”, “isso é dele”, “estou pensando nelu” e “ile é legal”, os pronomes que estão sendo usados são ela, ele, elu e ile, respectivamente. Ela e ele são pronomes previstos pela língua, enquanto elu e ile são neopronomes.

O final de palavra (nome técnico na maior parte dos casos, mas que recomendo evitar: flexão de gênero) é o que se usa no final das palavras que mudam entre a e o dentro dos conjuntos de linguagem previstos pela língua padrão.

Ao escrever “médica”, “amigo”, “linde” e “cozinheiry”, os finais de palavra que estão sendo usados são a, o, e e y, respectivamente.

Após definir os três elementos, eles podem ser unidos nesta mesma ordem, com barras entre eles. Assim, podemos ter a/ela/a, o/ele/o, ê/elu/e, y/ély/y, i/éli/i, le/ile/e e várias outras possibilidades.

Quando alguém não quer que algum elemento seja usado, escreve-se um traço. Por exemplo, uma pessoa que não quer que usem um artigo para ela pode usar -/elu/e, e alguém que quer que seu nome seja usado ao invés de pronomes pode usar i/-/i.

Quando não há preferência acerca de certo elemento (“qualquer um serve”), a pessoa pode usar [q], [qlq], [qqr] ou similar no lugar do elemento. Por exemplo, alguém cujo conjunto é [qlq]/ile/e vai aceitar a, o, ê, e, le, y, i, il ou qualquer outro artigo, incluindo neoartigos.

Quando alguém quer que fiquem trocando o que usam no lugar de certo elemento, a pessoa pode usar [r], [rtt], [rot] ou similar para indicar um elemento rotativo. Por exemplo, alguém cujo conjunto é -/éli/[rtt] quer que troquem o final de palavra que usam para éli com frequência.

Quando alguém quer indicar elementos alternativos em seus conjuntos, a pessoa pode usar vírgulas e parênteses, chaves ou similares para indicar as possibilidades ao invés de escrever conjuntos separados. Por exemplo, alguém pode preferir escrever seu conjunto como -/(ily, ile)/y ao invés de especificar tanto -/ily/y quanto -/ile/y.


Três imagens em uma demonstrando como se usam os conjuntos le/elu/e, -/-/- e fy/yl/y. Exemplo de frase com artigo le: “Le jovem é daqui.” Exemplo de frase com pronome elu: “Elu é legal.” Exemplo de frase com terminação E: “Estou atrasade!” Exemplo de frase sem artigo: “Tal jovem é daqui”. Exemplo de frase sem pronome: “Aquela pessoa é legal.” Exemplo de frase sem terminação: “Não vou chegar a tempo!” Exemplo de frase com artigo fy: “Fy jovem é daqui.” Exemplo de frase com pronome yl: “Yl é legal.” Exemplo de frase com terminação Y: “Estou atrasady!” Esta imagem foi feita para explicar como funcionam os conjuntos de linguagem mostrados. Imagens similares podem ser encontradas aqui.



Em relação a outros jeitos de falar sobre conjuntos de linguagem:

  • Usar “linguagem feminina/masculina/neutra” não funciona muito bem, tanto por reforçar normas de gênero (e se uma pessoa quiser usar o/ele/o sem ser masculina?), quanto por ser uma afirmação vaga (e se uma pessoa quiser usar o/elo/o, é uma linguagem masculina? E e/ele/e? Se alguém disser que usa linguagem neutra, é para usar le/elu/e, ê/elu/e, -/ile/e, -/-/- ou o quê?) Também força associações desnecessárias com características associadas a gêneros. (Por que temos que dizer que uma pessoa sem gênero que está usando a/ela/a porque é a linguagem associada com a palavra pessoa está usando uma linguagem feminina?) Mais sobre isso aqui, aqui e aqui, e também existe este texto sobre como usar “linguagem neutra” é algo muito vago.

  • Usar “elu/delu” e afins também não funciona bem: ocupa mais caracteres do que e/elu/e, usa tal espaço para uma informação que vai ser supérflua sob quase todas as circunstâncias e não sinaliza informações como o final de palavra, algo praticamente fundamental para se referir a alguém na língua portuguesa. Fiz um texto inteiro sobre isso aqui.

  • Colocar só o pronome e o final de palavra funciona bem para pessoas cujos conjuntos estão dentro dos padrões, mas visto que existem muitas opiniões diferentes sobre que artigos deveriam ser usados para quem tem final de palavra e e/ou pronome elu, acho que faz sentido que cada pessoa possa deixar explícito seu próprio artigo, ao invés de utilizarmos a presunção de que ele será sempre igual ao final de palavra.

  • Eu entendo a utilidade de oferecer mais informações sobre a própria linguagem, e dou meu apoio a qualquer pessoa que quiser colocar a/uma/da/ela/dela/minha/essa/a ao invés de a/ela/a em seu perfil, mas para propósitos como citar conjuntos em textos ou em lugares com pouco espaço, acho importante ter a possibilidade de resumir um conjunto em três ou quatro elementos.

  • Se alguém tiver interesse em como foi feita a escolha dos elementos artigo, pronome e final de palavra, já escrevi um texto sobre isso também. Resumidamente, é porque são elementos comuns que também são frequentemente disputados por pessoas que defendem propostas específicas de linguagem genérica/neutra.

Entendo que podem haver dúvidas acerca de outras particularidades de certos conjuntos de linguagem, mesmo com informações sobre artigo(s), pronome(s) e final(is) de palavra de alguém. Algumas dessas serão explicadas depois, mas por enquanto acho mais importante ter ao menos uma noção básica do que significam os três elementos citados.

“Como saber qual o conjunto de linguagem que alguém usa?”

Conjunto de linguagem, assim como identidade de gênero, são características frequentemente presumidas, mas que, idealmente, não deveriam ser.

Tanto homens quanto mulheres quanto outras pessoas podem usar quaisquer tipos de roupas e acessórios, e ter qualquer tipo de cabelo, voz, corpo, personalidade e gostos. A ideia de que é possível julgar alguém como homem ou como mulher se baseando em aparência, documentos ou em como a pessoa se comunica é baseada em estereótipos de gênero e de sexo, e prejudica pessoas trans, intersexo, não-binárias e/ou que não seguem as normas associadas com seus gêneros.

Da mesma forma, não há como presumir que conjunto de linguagem alguém usa sem a pessoa dizer qual conjunto usa. Mesmo indicadores como homem ou mulher nem sempre significam que a pessoa usa a linguagem comumente associada com tal gênero.

É possível alguém se referir a si e assim revelar alguma parte de sua linguagem (geralmente o final de palavra, em frases como “estou atrasade” ou “sou arquiteta”), mas, mesmo assim, é importante considerar que:

  • Aquela pode não ser a única possibilidade do que a pessoa usa (uma pessoa pode usar tanto a/ela/a quanto o/ele/o, por exemplo);

  • A pessoa pode querer usar certos conjuntos para se referir a si mesma, mas não querer que outras pessoas usem a mesma linguagem (porque a pessoa está questionando, é insegura, erra a própria linguagem com frequência, tem medo de ser vista como estranha se usar neolinguagem em público, não se importa em usar uma linguagem binária para si mas vê a mesma linguagem vinda de outras pessoas como uma forma de presumir que a pessoa tem um gênero binário quando não tem, etc.);

  • A presença de certo artigo, pronome ou final de palavra não infere outros elementos (pessoas podem usar -/elo/o, -/ele/e, a/ila/a, -/ilã/e, u/elu/u, ê/elu/e, etc).

Caso a comunicação entre você e a outra pessoa seja privada, eu não acho indelicado perguntar sobre seu(s) conjunto(s) de linguagem. (“Eu uso pronome eld e flexão -e, como posso me referir a você?”) Também é possível que a pessoa tenha ele(s) disponível(is) em algum perfil online.

Porém, em situações públicas, pode ser indelicado fazer esta pergunta pode ser uma indelicadeza, não apenas porque a maioria das pessoas (infelizmente) quer que você presuma, mas também porque uma pessoa pode ter que escolher entre sair do armário contra a própria vontade e ter a linguagem errada sendo usada para si.

Neste caso, pode ser importante a adoção de alguma linguagem neutra para ser usada para todo mundo que você não conhece, como -/-/- ou e/elu/e.

Mesmo assim, é importante que você ou use esta linguagem neutra para todas as pessoas que você não sabe a linguagem, ou para nenhuma. É um problema só usar isso quando você pensa que há uma possibilidade da pessoa ser trans, não-binária e/ou não-conformista de gênero.

Caso você esteja organizando algum espaço que seja seguro para pessoas cujos conjuntos de linguagem são presumidos erroneamente com frequência (o que inclui não ser seguro para pessoas que acreditam que gênero e linguagem devam sempre ser presumidos e/ou baseados em gênero/sexo), você pode oferecer formas de pessoas expressarem seus conjuntos.

Em espaços online, isso significa encorajar que pessoas disponibilizem seus conjuntos em introduções, nomes de tela e/ou espaços no perfil. Em espaços físicos, isso significa pedir conjunto de linguagem na introdução de cada pessoa e/ou disponibilizar adesivos para escrever conjuntos e encorajar que mesmo pessoas “cuja linguagem é óbvia” os digam/usem. Guias e/ou explicações sobre como tais conjuntos funcionam também devem estar disponíveis.

Lembre-se também de que nem todas as pessoas podem querer disponibilizar seus conjuntos, por mais seguro que seja o espaço. Enquanto isso é um problema quando são pessoas binárias conformistas de gênero afirmando que linguagem pessoal deve ser presumida, obrigar pessoas a escolher um conjunto de linguagem pode ser um problema para pessoas no armário, inseguras sobre que linguagem querem, que sentem disforia de gênero ao terem que dizer seus conjuntos de linguagem, etc.

Sugiro encorajar pessoas a não usar nenhuma linguagem específica ao se referir às pessoas do grupo que não querem disponibilizar seus conjuntos de linguagem.

Novamente, estas medidas precisam valer para todas as pessoas, e não apenas quando houverem pessoas não-cis e/ou não-conformistas de gênero no grupo.

Caso você ou o grupo esteja lidando com gente no armário, talvez seja interessante que pessoas disponibilizem uma linguagem para ser usada dentro do grupo e outra fora do grupo.

“Como posso disponibilizar meu conjunto?”

Se você se sente confortável e segure para fazer isso, você pode colocar em biografias ou similares de perfis de redes sociais/fóruns/programas de chat/etc., em apelidos de programas de chat, ou em outros lugares que pessoas podem conferir para saber como podem se referir a você e/ou informações básicas sobre você.

Em espaços físicos, você pode usar buttons, camisetas, bordados, crachás, adesivos ou outros indicadores. Você também pode se apresentar falando do seu conjunto de linguagem (como em “sou Miriam, uso a/ela/a”).

A maioria das pessoas não sabe como funciona a questão de artigo/pronome/final de palavra, então é provável que você tenha que explicá-la, especialmente se seu conjunto contém neolinguagem e portanto não é visto como “óbvio”.

“Que conjuntos eu posso ter?”

Pessoas podem ter quantos conjuntos de linguagem pessoais quiserem, e eles podem ser formados pelos elementos que cada pessoa quiser. Porém, infelizmente, quanto mais “fora do comum” for o conjunto, menor é a possibilidade de outras pessoas quererem usá-lo.

Existe uma certa polêmica em relação a se pessoas binárias ou cis podem ou não usar conjuntos além dos associados com seus gêneros, ou além de o/ele/o e de a/ela/a. Eu não vejo problema em uma pessoa cis querer usar conjuntos como le/elu/e, -/ila/a ou outros, desde que seu uso seja respeitoso.

Acredito que pessoas binárias possam querer usar conjuntos além dos associados com seus gêneros pelos seguintes motivos, por exemplo:

  • Suas expressões de gênero (ou seja, como se vestem, agem, etc.) não se encaixam com as expressões ditadas pelas normas de gênero, e tais pessoas podem querer usar um conjunto de linguagem que seja mais relacionado com sua expressão de gênero do que com sua identidade de gênero;

  • Se forem pessoas trans, podem não querer se abrir como trans ou dar sinais de que não são do seu gênero designado, e assim usar outro conjunto para disfarçar isso;

  • Se tiverem preocupações com privacidade, misoginia ou outras questões, podem usar um conjunto de linguagem diferente em certos espaços para criar uma impressão diferente de sua identidade;

  • Essas pessoas podem estar questionando suas identidades de gênero e usar linguagem pessoal como uma forma de experimentar possibilidades para suas identidades;

  • Essas pessoas podem simplesmente gostar muito de certos conjuntos de linguagem sem saber explicar o motivo, e querer que eles sejam usados para elas.

De qualquer modo, acho que alguns cuidados devem ser tomados por pessoas que usam certos conjuntos de linguagem só por diversão ou curiosidade mas que não se importam tanto quando pessoas usam a linguagem errada ou associada com seu gênero:

  • A experiência de uma pessoa cis que não se importa com a linguagem associada com seu gênero mas que também usa outro(s) conjunto(s) é diferente da experiência de alguém cisdissidente que encontra dificuldades em ter pessoas aceitando sua linguagem. Maldenominação (o uso do conjunto de linguagem errado) dói muito mais quando usar o conjunto certo é importante e fundamental para a pessoa.

  • Pessoas cis não possuem uma “experiência meio trans” só por usarem conjuntos de linguagem além dos esperados. Pessoas trans binárias não possuem uma “experiência meio não-binária” por usarem ou terem usado conjuntos de linguagem além dos esperados. Embora algumas experiências possam ter sido parecidas, pessoas que são de um grupo internalizam muito mais o ódio contra o grupo do que pessoas que só foram confundidas com membres de tal grupo.

  • Pessoas não estão sendo mais inclusivas por aceitar qualquer conjunto de linguagem, ou por aceitar algum conjunto que consideram neutro além do conjunto associado com seu gênero. Isso só lembra pessoas fora dos padrões de que algumas pessoas podem ficar “brincando” com seus conjuntos o quanto quiserem e ser maldenominadas sem grandes consequências. (E potencialmente ensina pessoas dentro do padrão de que ninguém deveria se importar com linguagem, sendo que pessoas fora do padrão são as que vão sofrer mais com isso.)

Basicamente: se você quiser usar algum conjunto além do associado ao seu gênero, não há problemas em utilizá-lo, mas isso não “dá pontos” de inclusividade ou de cisdissidência. Se o motivo para você usar outros conjuntos for “quero saber como pessoas trans se sentem”, “quero saber como pessoas não-binárias são tratadas” ou “quero mostrar que ninguém deveria se importar com conjuntos de linguagem”, repense, porque isso será visto como algo ofensivo e que não ajuda a causa de ninguém.

“E se o conjunto de alguém for difícil de usar ou de lembrar?”

Em primeiro lugar, nunca diga a alguém que é muito difícil usar seu conjunto e que você pode demorar para se acostumar (ou similar). Nós que incluímos neolinguagem em nossos conjuntos de linguagem pessoais estamos acostumades a ouvir/ler isso de praticamente qualquer pessoa binária que acabou de ser informada sobre nossos conjuntos. Também peço que não pergunte o motivo de alguém não usar algum conjunto específico que você preferiria que a pessoa usasse.

Sim, neolinguagem, conjuntos fora do padrão esperado ou mesmo a possibilidade de você ter usado outro conjunto para a pessoa por anos antes de receber a informação sobre a pessoa estar usando outro conjunto são coisas difíceis de se lidar. Para todo mundo! Até a pessoa que escolheu o próprio conjunto de linguagem pode errar ocasionalmente. E eu garanto que até ativistas “super desconstruídes” muitas vezes maldenominam pessoas que não usam os conjuntos que elus internalizaram que tais pessoas deveriam usar, mesmo sem querer.

Mas é horrível ter que ouvir isso tantas e tantas vezes. Qualquer pessoa que é maldenominada com frequência sabe que são poucas pessoas que vão sequer tentar usar o conjunto de linguagem certo. Qualquer pessoa que é maldenominada com frequência sabe que pessoas bem intencionadas vão tentar usar o conjunto certo mas ainda podem errar de vez em quando, especialmente no início. Ser maldenominade já dói, e ter que lidar com um eufemismo para “sua identidade é inconveniente pra mim e talvez eu nem tenha capacidade para respeitar ela direito” ao conhecer ou se abrir para qualquer pessoa nova só contribui com essa dor.

Enfim, aqui estão algumas dicas para lidar com conjuntos que não são intuitivos para você:

  • Você pode aproveitar es seguintes dicas e exercícios: 1, 2 3;

  • Você pode ver como conjuntos são usados no contexto de certas frases aqui;

  • Você pode tentar falar sobre a pessoa para outras pessoas usando a linguagem certa, para as consequências não serem tão grandes caso você erre a linguagem da pessoa durante essa “fase de treinamento”;

  • Você pode chamar algumas pessoas e propor que por algumas horas cada pessoa ali use algum conjunto com o qual você tem dificuldade, ou fazer algum tipo de roleplay (tipo de jogo ou brincadeira onde você cria ume personagem) e fazer algume personagem que usa tal conjunto de linguagem.

  • Você pode praticar o conjunto da pessoa fazendo uma história sobre ume personagem que usa o mesmo conjunto de linguagem.

Se você ainda não estiver conseguindo lembrar/usar o conjunto de alguma pessoa, você pode pedir um conjunto auxiliar, ou seja, um conjunto que a pessoa não prefere que usem, mas que aceita caso não seja possível usar outro.

Porém, se você não consegue nem pensar em ê/elu/e, e/ele/e, -/éli/i, a/ila/a, u/êlu/u ou similares como conjuntos auxiliares satisfatórios, você vai ter que dar um jeito de se acostumar com neolinguagem, usando as dicas acima ou pedindo dicas para outras pessoas (de preferência de forma privada e sem envolver a pessoa afetada).

Se tudo falhar, você pode não usar nenhuma linguagem específica para se referir a quem só usa conjuntos difíceis demais para você.

“Mas se qualquer coisa vale como elemento de conjunto de linguagem, não vão surgir vários conjuntos estranhos e impossíveis de usar?”

Em geral, pessoas querem que seus conjuntos de linguagem sejam usados, então é mais provável que alguém com um conjunto incomum use algo como -/ilo/o ou fy/yl/y do que algo como eu/legal/sou ou fsda/vjisdhef/fhi.

A maioria dos artigos tem até duas letras. A maioria dos pronomes tem a letra L no meio ou no fim e começa com vogal. A maioria dos finais de palavra é feita para funcionar junto a consoantes. A maioria dos conjuntos é feita para ser pronunciável, mas sem que os elementos sejam confundidos com outras palavras.

Algumas exceções a isso são:

  • Neoartigos. É muito difícil conseguir uma ou duas letras que sejam pronunciáveis e que não sejam nenhuma palavra, especialmente se for para combinar com algum pronome e/ou final de palavra. Artigos como e, ne, ny e la parecem palavras existentes ou contrações entre um final de palavra e a palavra em (assim como na e no), enquanto artigos como ze ou ed podem parecer nomes ou partes do nome de alguém.

  • Conjuntos temáticos. São raridades, mas conjuntos como fo/ogo/o ou an/ane/el existem.

  • Pronomes compostos por símbolos ou emojis. Eles são apenas para uso em texto; não há pronúncias em voz alta, a não ser que estas sejam explicitamente indicadas.

  • Um ou outro uso que já vi por aí de le e ty como pronomes, e também quero incluir aqui quaisquer outros pronomes que começam com consoantes. Isso faz com que palavras como delu, aquelu e nelu possam ficar difíceis ou impossíveis de reconhecer/pronunciar (ex.: dty, nle).

  • Elementos que usam x ou símbolos como e *. X, @, ’ e * possuem “pronúncia” muda; a palavra el@ pode ser lida como el, por exemplo. Mesmo assim, não é recomendável usar símbolos em conjuntos de linguagem, especialmente em abundância, por conta de programas que leem telas descreverem o símbolo (como em “el arroba” para el@).

Em geral, aquelus que possuem preferências por conjuntos mais complexos ou que contém elementos impronunciáveis também oferecem conjuntos auxiliares mais intuitivos e pronunciáveis como alternativas.

Muitas pessoas não conseguem se sentir confortáveis usando conjuntos de linguagem pessoais que foram projetados para serem “neutros” ou parecidos com os padrões. E, às vezes, tais pessoas acabam se identificando mais com palavras estranhas ou com símbolos que não podem ser pronunciados.

O ponto aqui é que nem todo conjunto de linguagem estranho é “coisa de troll”, mas que realmente pode ser meio suspeito se todos os conjuntos de linguagem de alguém forem longos, impossíveis de pronunciar ou compostos por outras palavras.

Se você legitimamente não consegue usar nenhum dos conjuntos listados de alguém, você pode perguntar por um conjunto auxiliar ou não usar nenhuma linguagem específica para a pessoa.

Neopalavras não cobertas por artigo/pronome/final de palavra

Se uma pessoa é fotógrafa e usa -/elu/e, usamos “este fotógrafe” para se referir a tal pessoa?

O consenso geral, até onde sei, é que o certo seria “estu fotógrafe”. Mas outra opção seria “éstie fotógrafe”, porque podemos utilizar ie no lugar de e em palavras onde a letra é associada com o conjunto o/ele/o.

Uma ideia para pronomes demonstrativos é que se substitua a letra L em um pronome por ss ou st para formar pronomes demonstrativos. Então éli daria em éssi e ésti, el daria em ess e est, ila daria em issa e ista, e assim por diante.

Mas, sinceramente, eu não sei se pessoas que usam ilu querem ser chamadas de istu, ou se pessoas que usam elz querem ser chamadas de essz. Nestes casos, eu recomendo manter a letra e do início e usar o final de palavra (ou ie se tal final de palavra for e), caso não seja possível perguntar para a pessoa o que ela prefere.

Neste caso, a/ila/a daria em essa e esta, enquanto ze/eld/e daria em éstie e éssie (recomendo a primeira letra E aberta para diferenciar melhor de este/esse; ou fechada caso em seu sotaque tal letra já seja aberta).

*Oltiel, que originou a ideia linkada acima, também já falou sobre seu modelo ser mais útil para casos onde os pronomes tanto começam quanto terminam em uma ou mais vogais, as quais são separadas pela letra L, de forma que não foi feito para lidar como pronomes como *elz* ou *ind*.*

Em relação a alternativas a meu/minha e a seu/sua, também existe divisão: algumas pessoas preferem usar as alternativas “universais” mi e su para pessoas que usam quaisquer finais de palavra fora da norma, enquanto outras preferem minhe e sue, com o final de palavra e podendo ser substituído por qualquer outro.

E quanto a letras repetidas? Escreve-se “su namoradu” ou “suu namoradu”? “Professori não-binári” ou “professori não-binárii”?

Pessoalmente, prefiro omitir a letra repetida, mas pode ter gente que prefere mantê-la. Mas só a omito no caso de letra repetida, não de som repetido: eu diria que alguém que usa o final i é não-binári, mas que alguém que usa o final y é não-bináriy.

No caso de alternativas a palavras terminadas em ca, ga, co ou go, caso o início do final de palavra seja i, e ou algo de som similar, recomendo trocar c para qu e g para gu. Então alguém seria ume amigue ou umi médiqui, para manter a sonoridade da palavra.

Artigos indefinidos e contrações que envolvem artigos usam o final de palavra, não o artigo. Alguém que usa ze/elz/e é ume menine, não umze menine. Se alguém usa i/éli/e, palavras como de e ne são usadas ao invés de di e ni.

Caso você vá falar sobre uma pessoa que usa neolinguagem em outra língua, você vai ter que perguntar para a pessoa o que ela prefere, ou se referir a tal pessoa de forma “neutra” mesmo. Não existe tradução direta de conjuntos de linguagem fora do padrão.


Se você quer saber mais sobre palavras fora do padrão, aqui estão mais recursos sobre este assunto:

Mais links estarão disponíveis no final do texto.



De qualquer forma, acho importante lembrar de duas coisas:

  • Ainda não existem padrões muito rígidos, e até mesmo pessoas que usam neolinguagem em seus conjuntos podem não saber de várias destas coisas, ou não concordar com elas;

  • “Errar” algo como usar amige ao invés de amigue não vai machucar tanto quanto usar amiga ou amigo. É melhor você improvisar algo que não seja ideal do que se recusar a tentar. Só não se ofenda quando o que você pensou não era a solução ideal!

Pronúncia de neoartigos, neopronomes, etc.


Esta seção é baseada na minha experiência em conviver com outras pessoas que usam neolinguagem no dia-a-dia. É possível que existam pessoas que usem outras pronúncias para os elementos listados aqui. Por favor, priorize respeitar os desejos de quem usa os elementos indicados aqui em sua linguagem pessoal.


Este texto não listará todas as possibilidades que já vi, e sim apenas as mais comuns ou que eu acredito que possam trazer dificuldades com mais frequência. Afinal, ainda que diga-se o oposto, a maior parte da neolinguagem utilizada no dia-a-dia tenta ser acessível inclusive para programas que leem telas.

Letras e combinações pouco comuns na língua portuguesa

A pronúncia de y é igual à da letra I. A pronúncia de w é igual à da letra U.

Ou seja, ila e yla possuem a mesma pronúncia, assim como élu e élw.

Edição: É possível que existam pessoas que usem a vogal y com o mesmo som que esta letra tem na língua guarani (entre outras): um som entre i e u, que (até onde sei) pode ser feito “dizendo i com a boca no formato que se faz o som de u”. Nunca vi alguém fazendo questão desta pronúncia, mas a possibilidade existe.

A pronúncia de ae (como artigo, final de palavra ou parte final de pronomes como elae) é ái. Acredito que isso possa ser diferente em regiões que não pronunciam e no final das palavras como i.

Ocasionalmente, alguém pode ter um final de palavra como s ou z, o que pode formar palavras como menins, escritorz, linds ou receosz. Em geral, as palavras são pronunciáveis: pense em como a maioria consegue pronunciar Halls, McDonald’s ou youtubers sem grandes dificuldades. Caso a palavra já termine em som de s/z sem o final de palavra (como em receosz), você pode não pronunciar o final de palavra.

Quando o final de palavra não for pronunciado (indicado por x, , * ou outra coisa assim), pode acontecer um estranhamento parecido, já que muitas palavras vão efetivamente terminar em consoantes incomuns. Novamente, você vai ter que “suprimir” a última sílaba, não deixando escapar nenhuma vogal após atrasad, amig, frac e afins.

Neoartigos

A não ser que tenham acentuação que diga o contrário, vejo os artigos contendo a com uma pronúncia como á, os artigos contendo e com uma pronúncia como ê e os artigos contendo o com uma pronúncia como ô.

Então ne teria a pronúncia , ze teria a pronúncia , la teria a pronúncia , oa teria a pronúncia ôa e assim por diante.

Neopronomes e sílabas tônicas

Neolinguagem, em geral, ainda segue as seguintes regras da língua portuguesa:

  • Toda palavra com mais de uma sílaba possui uma sílaba mais forte do que as outras, a sílaba tônica. Na palavra máscara, por exemplo, a sílaba é mais forte. Quando há acentuação (á, é, í, ó, ú, â, ê, ô), ela sempre acontece na sílaba tônica.

  • Palavras oxítonas, ou seja, aquelas onde a sílaba final for mais forte (como amor, troféu ou sofá), levam acentuação apenas caso terminem em a(s), e(s), o(s), em(ns) ou nos ditongos abertos éu(s), ói(s) e éi(s).

  • Palavras paroxítonas, ou seja, aquelas onde a penúltima sílaba for mais forte (como túnel, bola ou recado), levam acentuação apenas caso terminem em r, l, n, x, ps, ã(o)(s), um(ns), om(ns), us, i(s), ei(s), ea(s), oa(s), eo(s), ua(s), ia(s), ue(s), ie(s), uo(s) ou io(s).

Ou seja, eli sem acento deve ser uma palavra presumida como oxítona (e-LI), afinal, se fosse paroxítona, haveria um acento (éli se a letra e tiver som aberto, êli se a mesma letra tiver som fechado).

No entanto, existem alguns problemas em fazer a presunção de que é só prestar atenção nas normas gramaticais:

  1. Estas regras não dizem nada sobre paroxítonas que terminam em u, d, y, w, etc.;

  2. Estas regras podem ser ignoradas por pessoas que nem sabem que elas existem, ou que preferem ignorá-las na hora de escrever os elementos de seus conjuntos.

Sugiro tratar y(s) como i(s) e u e w(s) como us nos finais das palavras, além de tratar pronomes como elx, eld e eln como palavras de uma sílaba só. Mas isso é o que eu acho mais prático, e não há necessariamente nenhum consenso acerca desta questão.

Enfim, com isso dito, aqui estão as pronúncias que sugiro para alguns neopronomes “menos óbvios”:

  • ael → “a-ÉU

  • elae → “e-LÁI”, visto que o som final lembra palavras como vai e cai;

  • eld → “éud” ou “ÉU-di”;

  • elf → “éuf” ou “ÉU-fi”;

  • eln → “éun”, para a letra N final você pode pensar em sua pronúncia em palavras como próton;

  • elo → “É-lo”, assim como o substantivo elo;

  • els → “éus”, pense no final da palavra céus;

  • elu → “e-LÚ”, mas muita gente usa “Ê-lu”, o que não me parece ideal considerando que é pra ser uma proposta de “pronome neutro” sendo que está pendendo muito pra algo parecido com ele com esta pronúncia. Caso você queira usar “Ê-lu”, sugiro simplesmente usar êlu.;

  • ely → “e-LI”. Novamente, recomendo usar ély ou êly se você quer outra pronúncia;

  • elx → “éu”, embora tenham algumes que prefiram “éucs”;

  • elz → “éuz”;

  • ila → “I-la”;

  • ilae → “i-LÁI”;

  • ile → “I-le”;

  • ili → “i-LÍ”;

  • ilo → “I-lo”, pense no final da palavra aquilo;

  • ilu → “i-LU”, mas ao menos esse aqui acho menos absurdo se quiserem pronunciar como “I-lu”.

Palavras com mudanças sonoras dependentes dos finais de palavra a e o

Senhor e senhora, assim como receosa e receoso e outras palavras, mudam o som da letra O dependendo do final de palavra.

Sinceramente, não sei se existe uma regra gramatical que explique isso de forma que possa ser usada para cobrir outros finais de palavra. Ou se alguém se importa se pronunciarem receosae, senhory ou afins de forma que corresponda com o som da letra O usado para um final de palavra que a pessoa não usa.

Oltiel sugere o uso da letra U: assim, palavras desse tipo ficariam receúsy, senhure, curiúsi ou afins. Não é uma alternativa muito conhecida, mas acho que é uma boa opção.

Dicas finais para pessoas que querem ajudar quem tem conjuntos de linguagem fora dos padrões


Algumas destas dicas já estão presentes no texto, mas ainda assim pode fazer sentido reforçá-las.
  • Quando possível, e em relação a pessoas fora do armário, corrija pessoas usando a linguagem errada para quem você conhece. Isso tira um pouco do peso de pessoas que geralmente são maldenominadas e que precisam ficar corrigindo para não serem.

  • Ensine pessoas sobre artigo/pronome/final de palavra e apresente sua linguagem/fale sobre conjuntos de linguagem desta forma. Assim, pessoas cujos artigos, finais de palavra e/ou pronomes não são tão óbvios podem ter chances maiores de serem entendidas ao mencionarem seus conjuntos. Guias rápidos que podem ser referenciados podem ser encontrados aqui e aqui.

  • Caso você esteja segure para fazer isso, disponibilize seus conjuntos de linguagem pessoal em perfis, introduções, páginas, crachás, etc.

  • Não presuma conjuntos de linguagem pessoais alheios; use alguma forma de linguagem genérica/neutra universal para pessoas de conjuntos desconhecidos. Isso inclui pessoas com qualquer aparência. Não faça isso só para quem você acha “fora da norma” o suficiente.

  • Não pergunte sobre conjuntos de linguagem pessoais em situações que podem ter que fazer alguém ter que decidir entre ser maldenominade e sair do armário.

  • Se você estiver em uma conversa privada com alguém que você mal conhece e meio que precisa saber do conjunto de linguagem da pessoa, você pode reforçar que aquele conjunto é só para aquela conversa e que está tudo bem se a pessoa decidir por outro conjunto no futuro.

  • Respeite pessoas que não querem disponibilizar seus conjuntos de linguagem, mas também lembre-se de que há pessoas que só não disponibilizam sua linguagem pessoal porque “é para ser óbvia”. Esta noção deve ser combatida.

  • Não fique pedindo desculpas ou se justificando ao se deparar com um conjunto incomum ou ao errar o conjunto de alguém. Se você errar, corrija casualmente logo em seguida ou ignore e tome nota para acertar da próxima vez.

  • Se você estiver tentando muito e não conseguir usar nenhum conjunto pessoal disponibilizado pela pessoa, peça um conjunto auxiliar, faça exercícios para lidar melhor com o(s) conjunto(s) da pessoa ou use -/-/- (“sintaxe neutra”/nenhum elemento especificado).

Dicas finais para pessoas cujos conjuntos frequentemente não são respeitados

  • Quanto mais você indicar seu(s) conjunto(s) (por meio de perfis, buttons, camisetas, etc.), melhor.

  • Tenha alguma página (ou panfleto/cartão físico) de explicação, onde cada conjunto é demonstrado por meio de exemplos. Um guia para ajudar nisso pode ser encontrado aqui.

  • Mesmo seguindo as dicas anteriores, tenha em mente que a maioria das pessoas não se importa com sua linguagem pessoal, e acha que está certa ao presumir. Esperar que pessoas se deem conta de que podem estar erradas ou que as normas culturais mudem para que conjuntos neutros universais sejam usados para qualquer pessoa que ainda não disponibilizou sua linguagem provavelmente vai te frustrar a longo prazo.

  • Quanto mais tempo você esperar para introduzir sua linguagem pessoal e/ou corrigir pessoas em relação a ela, mais outras pessoas vão teimar não usar sua linguagem, podendo até recusar o uso porque “antes tava tudo bem falar assim”.

  • Muitas pessoas só respeitarão sua linguagem ao serem pressionadas. Não tenha medo de corrigir pessoas próximas em todas as oportunidades possíveis, se não houver perigo.

  • Também não se sinta mal ao cercar pessoas que te maldenominam de pessoas que usam o conjunto certo (ou um dos conjuntos certos), e que não hesitam em corrigir cada erro.

  • Sua disforia relacionada com linguagem é válida (mesmo que você seja cis). Se você tiver que passar um tempo longe de quem te maldenomina, ou se você estiver desconfortável com maldenominação, isso não é frescura ou algo vergonhoso, ridículo ou incomum.

  • Você não é uma pessoa ruim, confusa ou chata por ter um conjunto incomum, ter vários conjuntos, mudar de conjuntos frequentemente, querer conjuntos diferentes em situações diferentes, etc.

  • Ao apresentar seus conjuntos, é preferível que você não dê muitas opções, e que tais opções sejam organizadas. Por exemplo, em um crachá, pode ser melhor você colocar um ou dois conjuntos ao invés de oito ou dez, e tente organizar vários elementos em mais de um conjunto. Por exemplo, coloque em seu perfil que você usa a/ela/a, -/ele/e, le/ile/e e u/elu/u ao invés de dizer que você usa a/u/le/ela/ele/elu/ile/e/a/u.

  • Tanto na fala oral quanto na escrita, outras pessoas não se corrigem se baseando no conjunto de linguagem que você está usando. Isso significa que eu acho relativamente seguro dizer que você é “ume alune” ao invés de “um aluno”, por exemplo.

  • É verdade que elementos de conjuntos mais incomuns podem fazer com que seja mais difícil de alguém usar certo conjunto de linguagem, mas garanto que você não precisa se confinar a conjuntos como (ê, e)/elu/e ou -/ile/e só por serem mais espalhados/comuns. A maioria vai reagir com a mesma quantidade de confusão/raiva/etc. ao lidar com estes conjuntos em relação a conjuntos como y/ily/y, ze/elz/e ou i/ila/i. Recomendo usar o que ficar mais confortável para você!




Mais recursos relacionados com linguagem

Comunidades inclusivas de pessoas que usam neolinguagem

Links pessoais