Anseios mágicos

Uma curta história sobre identidade de gênero e "garotas mágicas".

Já era noite, e Ritmo ainda estava em um banco em um parque, pensando sobre a luta daquela tarde.

O monstro havia prendido várias pessoas da cidade em "sonhos" pessoais onde tinham tudo o que gostariam, enquanto sugavam sua energia no mundo real até morrerem. Ritmo, e suas parceiras Harmonia e Melodia, tinham que descobrir que estavam em uma realidade alternativa, e destruir uma estátua específica dentro dela para "voltarem" ao mundo real.

Ritmo ainda não havia voltado para casa pelo que tinha visto. Falou para as meninas que queria descansar um pouco, mas na verdade ainda estava processando o que aconteceu.

Sua mentira seria descoberta quando Harmonia voltou ao parque horas depois, em suas roupas civis, levando sua cadela Musa para passear.

— Ritmo! Você ficou aqui esse tempo todo?

— É, eu... estava bem cansa- com bastante cansaço.

— Você já deveria ter se curado totalmente depois de todo esse tempo!

Harmonia percebe que talvez tenha sido insensata, que talvez Ritmo precise de ajuda para se levantar ou andar.

— Precisa de ajuda para sair daqui?

— Não. Eu... percebi agora que estou bem! Vou para casa agora.

— Eu percebi que tem alguma coisa errada aí. É algum tipo de ferimento mágico? Você torceu o pé? Ou...

Harmonia percebeu que a dor de Ritmo parecia mais emocional do que física.

— ...é sobre o sonho? Isso deve ter sido embaraçoso para todo mundo, sabe.

— Eu... sei? Talvez. Eu não tenho certeza. Escuta, você deve precisar levar a Musa para... fazer necessidades. Eu vou para casa agora.

— Ah, eu já cuidei disso quando chegamos no parque. É que eu gosto de dar a volta toda para ela fazer mais exercício. Vamos voltar juntas, a gente mora no mesmo lado! Se quiser, pode me contar o que houve, eu juro que não vou te julgar.

— ...Tá bom. Eu acho que tenho que contar uma coisa... mais cedo ou mais tarde.

Ritmo levantou, e começou a andar ao lado de Harmonia em direção às suas casas. Musa pareceu feliz de não ter que ficar mais parada, e Harmonia teve que segurar sua coleira para que Musa não fosse muito longe.

Houve uma pausa na conversa, enquanto Harmonia esperava Ritmo falar. Não queria apressar Ritmo e parecer insensível; isso parecia ser algo importante. Depois de alguns minutos, Ritmo quebrou o silêncio.

— Eu sou trans. Não sou uma menina.

— Bom, isso... faz sentido. Eu acho.

— Hã? Você suspeitava?

— Bem. Tudo isso poderia ter outras explicações, sabe? Mas seu uniforme na transformação é o único que não tem saia, você fez o papel de príncipe naquela peça da turma ano passado, você não gosta de ter cabelo comprido...

Ritmo não fala nada pela sua surpresa de sua rápida aceitação, mas não sabe se seus olhos estão lacrimejando pela felicidade ou pelo que está a vir.

— Mas é estranho. Eu não achei que um menino pudesse ser uma menina mágica. Até porque a gente conheceu meninas mágicas trans.

— Para ser since- hã, para falar a verdade, eu não sei bem se sou um menino.

— Então você é...?

— Eu quase não tenho gênero. Sinto que estou mais para um lado masculino do que para um lado feminino, mas de forma meio... fraca, eu não ligo tanto assim para isso e não me importaria com um mundo sem isso. Acho que gênero-cinza, um termo que descobri pesquisando por aí, me representa bem.

Há uma pausa, enquanto Ritmo pensa no que dizer e Harmonia processa as informações.

— O meu sonho era que as pessoas não me considerassem menina. Bom, tinham mais coisas, mas era isso o que me preocupou. Porque eu já tava pensando nisso fazia um tempo, mas preferi esconder.

— Mas por quê? A gente ainda vai gostar de você!

— Eu sei! Mas se eu não me considerar menina, como vou lutar como uma menina mágica? Eu quero ainda ajudar vocês, mas não vou poder fazer isso se meus poderes sumirem. — As lágrimas começaram a cair dos olhos de Ritmo.

— Eu não acho que isso vai acontecer. Não existem meninos mágicos, até onde sei. E eu também não conheço nenhuma pessoa não-binária no ramo. Mas, se você já tem seus poderes, eu não acho que você perderia eles do nada. Se você foi escolhi... hã, como quer que eu me refira a você? Escolhido? Escolhide?

— Qualquer coisa que não tenha a no final tá bom. Talvez eu decida algo mais específico depois, mas não sei agora.

— Tá bom. Então, se te escolheram para isso, eu acho que você já tinha tudo o que precisava, mesmo com a identidade de gênero que você tem de verdade. Coisas mágicas são mais profundas do que o que você diz ou acha sobre si mesme. Vai ficar tudo bem.

— Obrigado, Moni. Obrigado mesmo.

Es dues adolescentes param para se abraçar, e depois disso conversam sobre assuntos mais banais, até se despedirem quando precisam se separar para cada ume ir para sua casa.

Ritmo sofreu um pouco por meninas mágicas fora do time estranharem alguém que não é menina fazer o mesmo que elas. Mas a maioria se acostumou, ao ponto de vozes contra a identidade de Ritmo serem uma minoria tão pequena que não ousavam ir contra elo em voz alta.

Quando Ritmo perdeu seus poderes, foi anos depois, junto ao resto de sua equipe. Mas Ritmo ficou famosi, a ponto de outres menines mágiques o procurarem para desabafar e perguntar coisas mesmo depois disso.